‘Luta é pela existência’, diz 1ª mulher doutora quilombola de Mato Grosso
Jolismar Bruno – Especial para o GD
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Benedita Rosa da Costa, 48, é a primeira mulher quilombola doutora em educação de Mato Grosso, pela Universidade Federal (UFMT). Da comunidade Tanque do Padre Pinhal, em Poconé (104 km de Cuiabá), Benedita é ativista, professora da rede municipal e pesquisadora. Nesta terça-feira (25) foi celebrado Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, data que marca a luta contra opressão e relembra Tereza de Benguela, importante figura na história que liderou o quilombo do Quariterê, que existiu em Mato Grosso entre 1730 e 1795. Ao GD, Benedita contou um pouco de sua trajetória e conquista do título de doutora na universidade pública em meios a tantas barreiras.
“Luta das mulheres quilombolas e brasileiras é pela existência e tornando resistência. Por liberdade de expressão e o livre acesso. Nos últimos anos, essa luta tem se intensificado e vemos o combate ao machismo e feminicídio que vem consumindo a vida de nós mulheres”, destacou.
Dados do 6° anuário da Delegacia Especializada de Defesa da Mulher de Cuiabá mostram que mulheres declaradas negras foram 11,4% das vítimas de violência doméstica, na Capital. Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, aponta que 61,1% dos alvos de feminicídio eram mulheres negras.
Por meio das vivências no quilombo, Benedita deu início a sua carreira em busca de caminhos ainda não exploradas em sua família e títulos pouco almejados no cotidiano, mas sem esquecer as raízes e ancestralidades. Tornou-se professora e depois mestre em educação pela UFMT. Recentemente, conquistou o título de doutora, com a tese: “Formação da identidade quilombola de estudante quilombola da comunidade remanescente do quilombo Tanque do Padre Pinhal”.
“Sou a primeira quilombola de Mato Grosso a me tornar mestre e agora doutora em educação pela UFMT. Minha presença na sociedade é importante. Estou fazendo história! Entendo como fundamental (existência na sociedade) para inspirar outras mulheres, povos quilombolas, crianças, adolescentes e os mais velhos”, afirmou.
No percurso até aqui, a doutora enfrentou inúmeros desafios, principalmente relacionadas ao financeiro. De família simples, as despesas para se manter na Capital e estudar eram altas. Nada foi suficiente para frear a vontade de Benedita para conquistar os sonhados títulos do meio acadêmico.
“É desafiador ocupar um espaço na universidade pública. É um espaço que nos foi negado. Ingressar, permanecer e concluir sem adoecer foi um sonho (sic)”, contou. Benedita também é professora da rede municipal de Poconé, onde é coordenadora pedagógica de uma instituição e palestrante.
Levantamento do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), aponta que 41,5% das mulheres negras eram subutilizadas no mercado de trabalho, em 2021. Termo refere-se a todo aquele que está desempregado, que trabalha menos do que poderia, que não procurou emprego, mas estava disponível para trabalhar, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Tanque do Padre Pinhal foi certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares. Poconé é a cidade com 28 quilombos certificados.
A data
Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha celebra a luta de mulheres negras contra opressão. Uma das personalidades lembradas é Teresa de Benguela, que liderou o Quilombolo do Quariterê, em Mato Grosso, entre os anos de 1730 e 1795. Era casada com José Piolho e após morte do marido assumiu a liderança da comunidade resistindo a inúmeros ataques. Teresa de Benguela morreu de forma trágica, com a cabeça arrancada, quando foi capturada durante uma invasão no Quariterê, em 1770.
Além de Teresa, outras mulheres ativistas são relembradas nesta data, como Marielle Franco. Data é instituída por meio da lei n° 12.987/2014. Inúmeros encontros e manifestações são realizadas nesta data e durante todo mês conhecido como “julho das pretas”.