Vanessa Araujo – Especial para o GD
Na era do imediatismo, quando antidepressivos, dificuldades para dormir e descansar, além de crises de ansiedade, dominam, o Brasil tem se destacado negativamente. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o país ocupa a primeira posição no ranking mundial entre os mais ansiosos. Automedicação tem sido pauta entre especialistas, que veem com maus olhos a prática crescente entre jovens e adultos. Com as redes sociais, tem se tornado cada vez mais comum relato de internautas que consomem medicamentos de controle especial sem prescrição médica para melhorar a atenção, desempenho e humor.
Para esclarecer os motivos para essas “tendências” entre a geração Z e orientar sobre cuidados com a saúde mental, o falou com a psicóloga Diana Canavarros, mestre em análise do comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Diana é Diretora do Instituto de Psicoterapia e Análise do Comportamento de Cuiabá.
Diana explicou sobre os sintomas recorrentes das crises de ansiedade, a viabilidade da prevenção de transtornos psicológicos e os perigos da automedicação. Recentemente, uma pesquisa realizada pela Panorama da Saúde Mental, com co-idealização do Instituto Cactus e AtlasIntel, revelou números alarmantes: 16% da população toma algum tipo de psicoativo, no entanto, apenas 5% realizam sessões de terapia.
GD: Qual é a sua perspectiva sobre o aumento significativo de jovens se autodiagnosticando com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)? Como essa tendência impacta o tratamento das pessoas que realmente enfrentam essa condição?
Diana Canavarros: Vivemos uma época à qual estamos expostos a muitos estímulos ao mesmo tempo, além da cultura que incentiva a imediaticidade na relação entre o que a pessoa faz e o acesso às consequências dessas ações. Somos reforçados cada vez mais a desempenharmos múltiplas tarefas. Nosso país é campeão no uso de medicamentos que melhoram a atenção e o foco. As atividades diárias estão repletas de múltiplos estímulos. Isso tem produzido pessoas que querem remédios para continuar “dando conta” desse padrão de múltiplas tarefas. As pessoas, cada vez mais, querem remédios para acordar e produzir muito. Além de remédios para conseguir dormir. Em um ciclo de ativar e desativar o cérebro. Cada vez mais o funcionamento fisiológico da natureza humana torna-se arbitrário. Estamos perdendo o processo natural e filogenético de como o nosso corpo funciona na interação com o ambiente físico e social. […] Esse uso inadequado da medicação acarreta perdas importantes na saúde mental dos jovens sem o TDAH. Estimuladores de atenção e foco servem para repor um funcionamento neurológico deficitário, não estimular ou aumentar a atenção que já é adequada. Sem contar que na vida cotidiana, muitas vezes essas medicações ficam em falta nas farmácias por conta de um número grande de jovens e adultos usando sem necessidade real.
GD: Brasil ocupa a liderança entre os países mais ansiosos. Quais são os sintomas mais comuns em uma crise de ansiedade?
Diana Canavarros: a ansiedade é uma resposta fisiológica do organismo diante de situações de ameaça. Enquanto fator filogenético é importante para a preservação da espécie. Mas ela também é aprendida quando vivemos situações aversivas, as quais não temos repertório de comportamento necessário ou eficaz para resolvermos tais situações ruins. E, muitas vezes, não reconhecemos no ambiente quais situações que evocam essas respostas corporais, envolvidas no quadro de ansiedade.
Os sintomas mais comuns em uma crise de ansiedade são os corporais. E podem variar de pessoa para pessoa, mas alguns dos mais comuns incluem: sensação intensa de medo, apreensão ou pânico; batimentos cardíacos acelerados ou palpitações; respiração rápida e superficial; sensação de sufocamento ou falta de ar; tremores ou sensação de fraqueza; tontura ou vertigem; náuseas ou desconforto abdominal; sensação de despersonalização (sentir-se desconectado de si) ou desrealização (sentir que o mundo ao redor é irreal) e sensação de perda de controle ou iminência de morte.
É importante ressaltar que uma crise de ansiedade pode envolver uma combinação desses sintomas e pode ser uma experiência muito intensa. O mais importante é procurar ajuda especializada para o tratamento, como psicoterapia e acompanhamento médico psiquiátrico.
GD: Existem maneiras de prevenir o desenvolvimento de certos transtornos mentais? Se sim, quais são elas?
Diana Canavarros: o comportamento de um indivíduo é selecionado e mantido por 3 níveis de seleção: filogenético, ontogenético e cultural. Assim, o padrão de comportamento será selecionado pelas heranças genéticas, pelas aprendizagens ambientais e culturais. Os transtornos mentais são o conjunto dessas variáveis que não são adaptativas, e produzem perdas no funcionamento desse indivíduo na sua interação com o ambiente. Embora nem todos os transtornos mentais possam ser prevenidos, existem várias medidas que podem contribuir para reduzir o risco de desenvolvê-los. Entre elas estão: o estilo de vida do indivíduo, ou seja, manter uma dieta equilibrada, praticar atividade física regular, dormir bem e evitar o consumo excessivo de álcool, tabaco e substâncias psicoativas. Ter relacionamentos saudáveis e apoio social é fundamental.
Administrar o estresse no trabalho e na vida pessoal. Desenvolver resiliência emocional, ou seja, a capacidade de lidar com adversidades e situações desafiadoras, pode ajudar a enfrentar melhor os altos e baixos da vida. Priorizar o autocuidado, reservar tempo para atividades que tragam prazer e relaxamento. Lembrando que cada pessoa é única e os fatores que contribuem para a saúde mental podem variar. É sempre aconselhável procurar orientação profissional.
GD: Qual é a diferença entre um período de tristeza e o diagnóstico clínico de depressão?
Diana Canavarros: é normal que todos nós enfrentemos momentos de tristeza e desânimo em determinados momentos da vida. No entanto, a tristeza ocasional difere significativamente do diagnóstico clínico de depressão. A tristeza comum é uma emoção natural e é menos intensa do que a tristeza associada à depressão clínica, que pode ser avassaladora e afetar profundamente o funcionamento diário. A tristeza passageira geralmente ocorre em resposta a um evento específico e tende a diminuir ao longo do tempo, conforme lidamos com a situação. Por outro lado, a depressão clínica envolve sentimentos persistentes de tristeza, vazio ou desesperança que ocorrem na maioria dos dias durante pelo menos duas semanas ou mais.
A pessoa com depressão passa dias no quarto, evita sair de casa, tomar banho, escovar os dentes. Ela não gosta de conversar, sente medo, tem a impressão de que nunca melhorará, geralmente não pede ajuda (aumentando muito a ideação suicida), sente medo de não voltar a ser quem era, se sente anestesiado. O diagnóstico da depressão requer uma avaliação aprofundada por um profissional da saúde (psiquiatra e psicólogo, de preferência). A depressão geralmente inclui outros sintomas, como perda de interesse ou prazer em atividades antes apreciadas, alterações no apetite ou peso, distúrbios de sono, fadiga, dificuldade de concentração e pensamentos de morte ou suicídio. A depressão pode ser influenciada por uma combinação de fatores, incluindo predisposição genética, desequilíbrios químicos no cérebro, eventos de vida estressantes e fatores ambientais. É considerada “a doença da alma”.
GD: Por último, ainda existe um estigma em torno dos transtornos mentais. Como trabalhar para reduzir esse preconceito?
Diana Canavarros: sim, ainda existe. Mas acredito que as mudanças culturais nas últimas duas décadas, vêm contribuindo para uma desmistificação sobre o tema. Reduzir o estigma em torno dos transtornos mentais é fundamental. Existem algumas medidas da sociedade importantes para auxiliar na diminuição desse preconceito. Por exemplo, com educação e conscientização, produzimos informações precisas e baseadas em evidências sobre transtornos mentais, suas causas, sintomas e tratamentos, pode ajudar a desfazer equívocos e mitos; realizar campanhas de conscientização em escolas, locais de trabalho e meios de comunicação pode ajudar a educar o público sobre a importância da saúde mental: líderes de comunidades, instituições e governos podem desempenhar um papel importante ao promover a conscientização e criar políticas que apoiem a saúde menta; incentivar conversas sobre saúde mental ajuda a normalizar o tema e demonstra que é algo que afeta muitas pessoas; compartilhar experiências e histórias pessoais, entre outras práticas. A redução do estigma em torno dos transtornos mentais é um esforço contínuo que envolve a participação de toda a sociedade.