Nesta semana, pedido de vista da presidente do STF, Rosa Weber, suspendeu julgamento de ação que discute se há omissão do Congresso para elaborar lei que vai regulamentar a licença-paternidade. Em paralelo, em abril a Câmara criou grupo de trabalho para elaborar proposta.
Por Fernanda Berlinck, g1
Desde a criação da Constituição de 1988, o Brasil espera por uma formulação sobre a licença-paternidade. Há 35 anos, a Carta Magna estabeleceu o benefício como um direito dos trabalhadores e determinou que, até que o Legislativo elaborasse uma regulamentação sobre o assunto, o prazo geral da licença-paternidade seria de cinco dias. Até hoje, isto não foi feito. E, por outro lado, a legislação garante que a licença-maternidade seja de 120 dias.
Nesta semana, um pedido de vista da presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, suspendeu o julgamento da ação que discute se há omissão do Congresso em elaborar uma lei que vai regulamentar a licença-paternidade para trabalhadores.
O caso estava em análise no plenário virtual desde 30 junho e levantou esperanças em grupos defensores da equiparação do benefício entre homens e mulheres. A espera, no entanto, continua, uma vez que ainda não há data para a ação voltar à pauta.
Em paralelo, em abril deste ano, a Câmara dos Deputados criou um grupo de trabalho formado por parlamentares de diferentes partidos, entidades da sociedade civil organizada, representantes do empresariado e representantes de órgãos públicos para debater o assunto e elaborar uma proposta para tramitação legislativa.
“O que a gente defende é que já passou do momento de se debater a fundo a questão da desigualdade entre a licença-maternidade e a licença-paternidade no Brasil”, afirma Ana Claudia Oliveira, coordenadora técnica do GT.Para entender as perspectivas da extensão do prazo da licença-paternidade no Brasil e discutir os impactos socioeconômicos na desigualdade do benefício, o g1 conversou com Ana Claudia Oliveira, também assessora legislativa da Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, e com o Marcos Piangers, autor do livro “O papai é pop” (Belas-Letras), palestrante, produtor de conteúdo e ativista da causa de conexões familiares.
- Como funciona a licença-paternidade no Brasil
- O grupo de trabalho que discute um novo prazo na Câmara
- Impactos socioeconômicos na extensão do benefício
- Como a desigualdade de licenças afeta a mulher
- Os possíveis efeitos da ampliação da licença-paternidade
Licença-paternidade no Brasil
Pela legislação brasileira, trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos federais têm direito a uma licença de apenas cinco dias após o nascimento de um filho. Esse direito se estende a casos de adoção.
Fora isso, a licença pode ser estendida no caso de trabalhadores de empresas adeptas ao Programa Empresa Cidadã, que amplia o benefício para 180 dias para as mães e para 20 dias para os pais. A depender da empresa, a conquista da prorrogação está sujeita à comprovação da participação em algum programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável.
Pai solo
No caso de famílias monoparentais, com apenas um pai, a extensão da licença-paternidade depende de uma ação judicial – porque, atualmente, não existem meios administrativos para a concessão do benefício.
Apesar disso, em maio de 2022 a discussão teve um dos seus raros avanços. Na ocasião, o STF decidiu, por unanimidade, que servidores públicos que sejam pais solo, sem a presença da mãe, têm direito a licença de 180 dias. A decisão deverá servir para embasar as demais instâncias do Judiciário em casos semelhantes.
Proposta de extensão do prazo
O grupo de trabalho criado neste ano na Câmara dos Deputados tem como objetivo reunir diferentes perspectivas e demandas em relação à licença-paternidade no Brasil. Ana Claudia Oliveira explica que a intenção ao reunir um grupo diverso é poder elaborar e criar uma proposta que seja a mais factível possível para ser apresentada ao Legislativo, com a esperança de que se consiga avançar com o debate “o mais rápido possível”.
“O objetivo da força de trabalho é encontrar caminhos, que isso seja debatido a sério, e reflita a sociedade que a gente tem hoje e, até mesmo, que impulsione a sociedade”, diz ela.
Já foram realizadas quatros reuniões com o GT. Desde então, discutiram-se prazos de licenças-paternidade que vão desde 20 dias a seis meses.
A coordenadora técnica explica que uma suposta proposta de defesa da equiparação do benefício entre homens e mulheres seria na linha de licença parental, ou seja, que possa ser dividida de acordo com a configuração e o desejo de cada família. Mas o grupo ainda não tomou uma decisão.
“A equiparação é um sonho, é uma coisa que temos no horizonte, que consideramos a ideal. Mas imaginamos que seja de forma gradativa. Não vamos conseguir, de cara, criar uma legislação no âmbito da equiparação”, afirma Ana Claudia.
A assessora legislativa pondera, entretanto, que aumentar apenas o número de dias não será suficiente. Ela acredita que o projeto deve contemplar uma mobilização de conscientização social, com campanhas e divulgação de programas de governo que ajudem no engajamento da população, principalmente por parte dos homens.
O grupo entende que o cenário pode ser de um aumento gradual do benefício, como aconteceu na Espanha, que agora permite uma licença de 16 semanas tanto para pais quanto para mães.
Desigualdade e impactos socioeconômicos
Tanto Ana Claudia Oliveira quanto Marcos Piangers entendem que aumentar a licença-paternidade é um primeiro passo para reduzir desigualdades entre homens e mulheres, com possível transformação sócio-cultural.
“O cuidado com crianças é uma responsabilidade tanto de pais quanto de mães”, diz Piangers.
Para ele e para Ana Claudia, está claro, tanto empiricamente quanto a partir de estudos e estatísticas, que as mulheres são tidas como as principais responsáveis no trabalho de cuidado de filhos. Esse cenário, afirmam, traz consequências também para o mercado de trabalho, que ainda é mais competitivo e paga valores menores a mulheres.
“Isso faz com que se tenha um gap salarial entre homens e mulheres, e as últimas pesquisas científicas mostram que o grande motivo é a maternidade, a percepção de que o homem não é um cuidador. Então, ele pode aceitar promoções e viagens, ou ele pode chegar mais tarde [em casa], porque aceita participar de grupos de trabalho, reuniões e assumir projetos importantes dentro da empresa”, argumenta Piangers.
Citando a quantidade de mulheres no mercado de trabalho, a sobrecarga feminina e a disparidade na divisão de cuidados dos filhos entre mães e pais, Ana Claudia insiste que “é inadmissível que esse prazo [da licença-paternidade] não seja aumentado”.
Marcos Piangers lista dados que exemplificam a desigualdade de gênero no Brasil:
- Existem 11,5 milhões de mãe solo.
- Quase 15% dos lares brasileiros são chefiados por mães solo.
- Em 2022, mais de 100 mil crianças foram registradas sem o nome do pai.
➡️ James Hackman, investimento na primeira infância como fortalecimento da economia
Para Marcos Piangers, a tese do Nobel de Economia James Heckman é prova de que “o argumento econômico de que a economia brasileira não teria condição de arcar com o custo de uma licença-paternidade de mais de cinco dias” não se sustenta. “Cai por terra.
Heckman concluiu que o investimento na primeira infância é uma estratégia eficaz para o crescimento econômico. Ele assegura que a maneira mais eficiente de diminuir a desigualdade e formar adultos que alcancem renda superior à de seus pais é investindo em crianças com idade de zero a seis anos.
“É o que ele chama de pré-distribuição de renda. Uma distribuição de renda que acontece antes de a criança nascer: em um bom pré-natal, em uma boa gravidez, em um bom parto, em um bom acompanhamento dessa criança e em um bom cuidado dessa criança nos primeiros dias, meses e anos”, esclarece o Piangers.
Ele diz que uma criança que cresce em um núcleo familiar fortalecido, com conexões e apoio, terá um desempenho melhor como estudante e profissional. “O Estado não vai gastar esse dinheiro com uma necessidade de bolsas e auxílios, visto que já investiu antes”, analisa.